Se já é complicado administrar tudo que acontece na nossa vida e ao nosso redor nos dias de hoje, imagina então viver o agora e o futuro, ao mesmo tempo! Achou difícil? Pensa em tudo isso e ainda projetando o futuro para grandes empresas. Para a palestrante futurista Beia Carvalho, 65 anos, viver à frente é mais simples do que no presente.
Mãe de dois filhos e avó de três netinhos, Luca de 10 anos, Leon 7 e Joaquim 1, Beia, que mora em São Paulo, revela pra gente como foi a trajetória de publicitária até a atual carreira consolidada, mas ainda “incomum” no presente.
BRP: Por que escolheu a carreira publicitária?
Beia: Eram os anos 1970. Entrei na ECA/USP, em 1973. Era uma profissão em alta. Me encantei com um livro que li numa aula no High School (fiz intercâmbio nos EUA) chamado Hidden Persuasion, que doei junto com uma porrada de livros, outro dia desses. Persuasão e mensagens subliminares tinham um apelo tão especial pra mim, como tem hoje a Inteligência Artificial, rs. Isso me fez lembrar do nome dessa matéria na escola: The Medium is the Massage (O Meio é a Massagem). Trocadilho da “bíblia da comunicação”, O Meio é a Mensagem, livro lançado por Marshall McLuhan, em 1964. Anos depois, em 1969 ele lançou “O Meio é a Massagem” juntamente com o designer gráfico Quention Fiore. Uns dizem que a brincadeira do nome era para fugir do clichê e outros que foi um erro da gráfica. Enfim, o tema era quente. E tão maravilhosamente bem e verdadeiramente retratado na série, Mad Men.
BRP: O que te fez sair da publicidade? Qual foi o motivo para que isso acontecesse?
Beia: Acho que o mesmo movimento que me fez ir, foi o que me fez sair: quando a agência de publicidade começou a dar seus primeiros sinais de decadência. Sinais que foram sendo percebidos por alguns, pouco a pouco e que até hoje, na entrada da 3ª década do século 21, são imperceptíveis a muitos profissionais que trabalham na área. O modelo de agência acabou. Alguns novos negócios que entendam de dados e pessoas, bem diferentes de Mad Men, terão seus lugares na próxima década. A vontade de alçar novos voos, com outras pessoas já existia, mas a grande oportunidade veio quando venceu meu compromisso com a agência multinacional TBWA, que havia comprado a agência em que eu era sócia. Findo o meu compromisso de continuar como vice-presidente de planejamento da agência, após três anos, peguei meu boné e #parti.
BRP: Longe da publicidade, qual foi o primeiro caminho pensado em seguir?
Beia: Uma coisa que eu não fiz e que recomendo fortemente é um sabático. Sabático pensado e organizado. Foram muitos caminhos que passaram pela minha cabeça, desordenados, bem caóticos. Fazer as empresas pensarem no futuro era a coisa mais pulsante e me magnetizava. O caminho de me recolocar numa nova agência como integradora do on e off-line (nossa que coisa velha, não?) – não rolou. E eu tinha certeza que ele rolaria. Eu tinha provas! Na segunda metade dos anos 2000, todas as agências davam entrevistas e escreviam artigos nos jornais do meio, como PropMark e Meio Mensagem, dizendo que elas estavam integrando on e offline. Não estavam. Muitas delas, passados quase 13 anos ainda não estão. E algumas continuam esnobando o online, acredite ou não. O caminho para empreender se abriu diante de mim. E aí, o futuro falou mais alto.
BRP: Como chegou, pensou na sua profissão atual? Percebeu uma demanda do mercado?
Beia: Na realidade, eu pensei que queria trabalhar fazendo as marcas pensarem no futuro. Daí, nasceu a 5 Years From Now®, em 2008, que estava há pelo menos 10 anos à frente. Então, infelizmente, não, a demanda do mercado pelo futuro era bem fraca. Mas os assuntos que eu tratava em meus workshops tinham forte apelo junto ao meu público que eram empreendedores e empresários. Insisti e investi no negócio por cinco anos, número que adoro. E foi um dos meus clientes que me convenceu que eu deveria fazer uma palestra sobre as Gerações. E assim, saiu meu primeiro tema de palestras, que foi durante algum tempo meu único tema. Logo depois vieram o Futuro e a Inovação. E hoje, considero essa trinca como macrotemas. Gerações, Inovação e Futuro, dão vazão a dezenas de outros temas como Futurar pra Faturar, Futuro do Trabalho, Futuro Abundante ou Caótico, Futuro do Agronegócio, Incluir pra Inovar, Desaprender para Aprender, Inovar ou Morrer, Novas e Novíssimas Gerações, e por aí vai. Então, ao final de 2013, minha decisão de fim de ano foi de abandonar a consultoria e focar apenas na palestrante futurista. Lembrando que focar é abandonar opções, inclusive as boas. Minhas convicções foram formadas durante esses cinco anos que me aprofundei em dezenas de negócios de meus clientes e tive contato íntimo com os medos, os anseios e a garra desses empresários. E foi essa estrada de consultora de negócios – sem sucesso comercial – que pavimentou meu caminho de palestrante futurista. Uma nova estrada de muito, muito trabalho. Quem me conhece, sabe. A gente tem que persistir resistir e saber quando desistir. Hoje, aquela minha consultoria seria superdemandada no mercado, mas essa futurista já está em outra, rs.
BRP: Quando falamos em futuro, para muitos a ideia é de algo distante, não palpável, e você é uma “palestrante futurista”, como é isso? Como é dar palestras falando sobre esse tempo, como funciona, de certa forma, como uma “previsão”?
Beia: Nós estamos vivendo um momento de transição entre duas eras. Hoje, dependendo do setor em que a pessoa atua, muito do que eu falar sobre o presente, pra essa pessoa é um futuro longínquo. Pra quem está efetivamente em transição, o que eu falo faz sentido e acende um farol em relação aos caminhos do futuro: como as novas habilidades, a emergência do estudo, a compreensão das novas tecnologias, e o imperativo que é acolher a diversidade e preparar as nossas crianças para serem adultas e críticas nas décadas de 2030-2050. Eu falo de nós, dos nossos comportamentos, dúvidas e ansiedades do dia a dia. Falo sem usar palavras corporativas, nem de livros. Falo como a gente fala. Não tenho slide em inglês e não entendo o porquê uma criatura não pode perder meia hora e traduzir aqueles slides. Se ela vai demorar mais que isso, é porque ela mesma não entendeu o slide. Mas o mercado tem espaço pra todo mundo: para jargões corporativos e “bispos”. Eu é que tenho uma certa ojeriza e tracei um outro caminho, que tem a ver com a minha informalidade. Na real, acho que eu deveria dizer que sou uma palestrante presentista, rs. Não, não se trata de prever, não é uma profissão “Mãe Dinah”, como eu sempre brinco. Mas, sim, de olhar para as macrotendências e traçar alguns cenários.
“Quando a gente viaja para o futuro,
o cérebro faz novas sinapses”
Na realidade, para mim, pensar no presente me gera uma ansiedade absurda! Quando vejo o posicionamento do Brasil na Educação (uma das coisas mais importantes do futuro), nos patéticos índices de inovação, a dramática condição das redes de esgoto e combate a dengue, nas aberrações que são os rankings de homicídios, feminicídios e mortes por aborto, fico pensando se ainda há tempo de reverter isso tudo e nos tornarmos um país competitivo no futuro. E tudo isso é muito angustiante para uma futurista. O agronegócio pode ser a salvação, mas terá que se esforçar muito para ser de ponta, e não um agro de terceiro mundo. Hoje já vivemos, em doses pequenas, rejeições de nossos produtos agropecuários, por conta de não entendermos como a banda toca no primeiro mundo.
BRP: Como é pensar anos à frente, como pensar nisso para as empresas em que dá palestra, levando em consideração as áreas diferentes em que atua? Precisa ser mil Beias para dominar os campos diversos que surgem na sua atual profissão?
Beia: É uma excelente questão! A princípio, pode parecer que cada empresa tem suas próprias questões sobre o futuro. Na verdade, o que acontece é que nessa transição para uma nova era, em que todos estamos vivendo, os problemas que se abatem sobre pequenas, médias ou grande empresas, nacionais ou multinacionais, são os mesmos. Pode parecer exagero de generalização, mas não é. As empresas têm dificuldades em acolher as novas gerações, em incluir o diverso (raças, gêneros, PCDs, longevidade) e em colocar em prática a equidade salarial. E todas têm enorme dificuldade em mudar para uma cultura onde a criatividade e a inovação possam florescer e tomar decisões em direção à transformação digital.
“E sabe qual é a maior dificuldade? É entender que no século 20 a empresa comprava inovação, e no século 21 ela tem que fazer. Não tem na prateleira do supermercado.”
No século 20, era só comprar produtos e serviços como reengenharia, ISOs ou CPDs. As corporações ainda querem comprar uma solução que as levem a ser inovadoras, num passe de mágica. Não será com varinha de condão. Será com vontade política, engajamento, processos em rede e muita perseverança que passaremos a integrar o século 21.
A principal questão do futuro é se vai existir um futuro no planeta Terra. Quem acha que já se falou demais sobre as questões climáticas pode se acalmar, porque o assunto mal começou. Na década 2020 -2029, salvar o nosso planeta não será um dos tópicos a serem discutidos, será o grande depositório onde fervilharão as grandes ideias que movimentarão o mundo.